
Escrito pelo poeta polonês Czeslau Milosz quando tinha 98 anos.
"Como se tivesse, em vez de olhos, binóculos ao contrário.O mundo se distancia e pessoas, árvores, ruas tudo diminui, mas nada perde a clareza, fica mais denso.
Já tive antes momentos assim, escrevendo poemas.
Conheço então a distância, a contemplação desinteressada. Sei assumir um eu que é não-eu, mas agora é sempre assim e me pergunto:
O que significa isso, se entrei numa permanente condição poética?
As coisas antes difíceis, agora são fáceis. Mas não sinto desejo forte de transmití-las por escrito.
Só agora estou sadio, e era doente.Por que meu tempo galopava e afligia-me o medo do que viria.
A cada momento, o espetáculo do mundo é para mim de novo surpreendente e tão cômico, que não entendo como a literatura podia querer dominá-lo.
Sentindo fisicamente, ao alcance da mão, cada momento, amanso o sofrimento.
E não suplico a Deus que queira afastá-lo de mim.
Por que o afastava de mim, se não o afasta dos outros?
Sonhei que me encontrava numa estreita borda sobre o oceano, onde se viam nadando enormes peixes marítimos.
Tive medo de que se olhasse, cairia...virei então, agarrei-me nas asperezas das paredes rochosas.
E, movendo-me lentamente de costas para o mar, cheguei a um lugar seguro. Eu era impciente.
Irritava-me a perda de tempo com coisas triviais.
Agora, corto com cuidado a cebola. Espremo os limões e preparo vários tipos de molho.
Obs: Premio Nobel de Literatura em 1980 - nasceu 1911, morreu em 2004.
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